segunda-feira, 24 de agosto de 2009

REFLEXÃO FILMICIA

FILME: LÍNGUA – VIDAS EM PORTUGUÊS

"Não há uma língua portuguesa, há línguas em português", José Saramago

O documentário, produzido por Victor Moraes, tem como fio condutor a variação da língua portuguesa em diversos países, como: Brasil, Portugal, Moçambique, Índia, Japão. Retrata a vida de cidadãos (não-atores) originários desses países, representando suas próprias realidades.
O longa-metragem retrata diferentes narrativas agrupadas em eixos temáticos que são apresentadas pela oralidade dos personagens. Atribui-se voz aos indivíduos sem a interferência de um narrador. Com isso a intencionalidade dos discursos dos personagens é evidenciada, assumindo aspectos de neutralidade devido à ausência da voz do narrador.
Ao utilizar o recurso visual da apresentação de flashes que intercalam cenas de diferentes países, provoca a sensação de uma viagem por diversas culturas em que está presente a língua portuguesa como pano de fundo. Ou dito de outra forma como afirma o escritor moçambicano Mia Couto "No fundo, não estás a viajar por lugares, mas sim por pessoas“.
Apresenta, ainda, em diferentes espaços geográficos, uma língua viva e multifacetada pelas diversas influências culturais, religiosas, étnicas, climáticas, artísticas, de gênero, de idade, social, de nível de escolaridade, ou seja, realidades amalgamadas a uma língua em constante transformação.
A coesão entre as cenas, aparentemente fragmentadas, no entanto, acontece através de imagens, músicas, temas ou falas comuns mescladas com suas similares em outro espaço geográfico. Isso ocorre com o intuito de dar o efeito de continuidade das narrativas que se completam. A aproximação dos espaços geográficos, através de recursos de imagens, se dá no momento em que a câmera foca a praia em uma ilha da África e logo em seguida focaliza outra praia, agora em Portugal. Em alguns momentos é necessário que o expectador busque outros elementos para identificar os espaços geográficos diferentes.
A própria língua portuguesa atua como elemento de coesão entre as narrativas apresentadas. Fica evidente, inclusive na fala de Saramago que o português não pertence mais somente a Portugal, mas que é uma “Língua da qual povos colonizados se apropriaram e que devolvem agora, reinventada”.
Dessa forma, cada indivíduo localizado em espaços geográficos diferenciados assume uma identificação com o idioma. A idéia de nacionalidade, portanto, ocorre como uma representação discursiva que varia de acordo com cada sujeito - um sujeito híbrido.
Este sujeito híbrido perde sua pertença, pois, como no exemplo dos imigrantes brasileiros no Japão, percebe-se que estão localizados em um determinado espaço geográfico que pode ser considerado um “não-lugar”, pois não são considerados cidadãos daquele local e concomitantemente perdem sua identidade com seu local de origem.
O discurso feminino foi pouco explorado, no entanto, aparece indiretamente e tem poder de influenciar e de transformar o discurso masculino. Outro exemplo é o do casal africano, cujo marido apresenta um discurso de liberação sexual “sou mulher em um corpo masculino” em oposição à esposa que tem um discurso de uma mulher extremamente submissa “a mulher tem que servir ao marido”, essa submissão é justificada pelo discurso religioso e, na prática, pela isenção da submissão, evidente na postura liberal do marido que se iguala à esposa. Por outro lado, o casal apresenta um discurso multifacetado, pois pretende seguir a tradição e ao mesmo tempo ser de vanguarda. Os dois frequentam a mesquita por serem muçulmanos, porém, desconfiguram-se enquanto estereótipo daquela cultura ao adotar costumes de outras culturas (quando saem para a “balada”, por exemplo).
O sujeito é perpassado por relações discursivas diversas, pois, segundo Stuart Hall, “a língua é marcada por um processo constante de desconstrução”. As identidades estáveis se desconstroem, porque recebem imposição discursiva vertical do colonizador (poder, estado, religião). E, ao mesmo tempo, é perpassado pelos discursos horizontais culturais, tornando-se um sujeito fragmentado, que se reconstrói através da multiplicidade dos discursos.
De acordo com essa perspectiva ampla, o ensino de língua e literatura não deve ignorar a diversidade linguística dos falantes. Ao considerar a função sociocomunicativa da linguagem, a escola pode ou não contribuir para que a língua seja um instrumento mantenedor de identidade. De acordo com os elementos norteadores (filosóficos e políticos) da concepção metodológica utilizada no processo de ensino.
Diante do fato de que a pós-modernidade desconstrói a língua padrão e constrói variantes, percebe-se que a língua tornou-se mais dinâmica. O filme reafirma isso quando aponta a globalização como um forte fator de influência de um idioma sobre o outro. Nesse caso, a dinamicidade da língua é reforçada devido ao trânsito de seus falantes por diferentes países.
A Literatura atua como instrumento de preservação do dinamismo da Língua. Resgata as origens sociais, políticas, econômicas e culturais dos grupos. A utilização da literatura no ensino propicia ao professor possibilidades de “mostrar” ao aluno a função social da escrita e sua representatividade em cada período histórico. Além de permitir que sejam lançados outros olhares sobre nós mesmos e sobre o Outro. A Literatura não despreza a força que a língua tem na cultura de um indivíduo.




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Profª. Olires M. do E. Santo
Florianópolis - SC

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